quarta-feira, novembro 26, 2014

Botton e Sua Cela Dourada

Alain de Botton, no livro “Religião para ateus”, aspira vivenciar todos os elementos da vida religiosa, menos a devoção. Ele abre o livro afirmando que a “pergunta mais enfadonha e inútil que se pode fazer sobre qualquer religião é se ela é ou não verdadeira”. Botton celebra o self-service religioso com fins terapêuticos. Um filósofo desinteressado no alicerce do pensamento lógico? Será que nunca passou pela mente desse filósofo ateu que ao lutar em todas as frentes existenciais se confrontará com Deus em tudo? Botton nos convida a abraçar o seu pensamento irracional, enquanto ironiza a suposta não racionalidade da religião cristã.
Entristece-me a postura de Botton porque apesar de circular na alta cultura, ter uma vida rica e privilegiada, ele não sabe nada sobre a Verdade. Botton diz querer resgatar belos aspectos da religião cristã, mas antes precisa ser resgatado da sua cela dourada que lhe impediu de ver a sabedoria e profundidade do cristianismo. O cristianismo consegue falar a linguagem das pessoas mais simples, mas também consegue escalar a torre dos eruditos; e não se detém ali, está sempre um passo à frente do mais sábio dos homens. Não é toa que mentes excepcionais como Tomás de Aquino, Pascal, Kierkegaard, C. S. Lewis e inúmeros outros abraçaram o cristianismo.            
Botton me lembra do jovem peixe de uma historinha. Um velho peixe perguntou ao jovem peixe que nadava de um lado para o outro: “Como está a água?”. Após alguns instantes de silêncio, o peixe jovem disse: “O que é água?”.

terça-feira, novembro 18, 2014

O Regresso

No filme “O Regresso para Bountiful” (The Trip to Bountiful), de 1985, Geraldine Page interpreta Carrie Watts, uma idosa teimosa cujo maior desejo é voltar ao lar de sua infância - na pequena cidade de Bountiful, no estado do Texas - antes de se dirigir para a sua casa celestial. Já que o filho e a nora não atendem o seu pedido, ela resolve fugir de casa e embarcar num ônibus retornando a velha casa.
           
O hino “Manso e suave” (Softly and tenderly Jesus is calling) abre e fecha o filme. E durante a viagem Carrie canta mais um hino. Hollywood, hoje dominada por anticristãos, surpreendentemente não vetou a inserção desses hinos. 


Carrie consegue chegar à fazenda onde cresceu: a casa está em ruínas, os campos tomados pelo matagal, tudo está abandonado. Ela diz: “É estranho mas desde que cheguei aqui tenho a impressão que meu pai e minha mãe vão sair desta casa, saudar-me e me darem as boas vindas”.

Por que carregamos a estranha sensação de que aqui não é o nosso lar Por que uma pessoa bem sucedida financeiramente, sem problemas de saúde ou familiar, de repente sente um nó na garganta ansiando por um lugar que não sabe explicar muito bem?

O pintor Edouard Manet expôs em uma tela – The Bar at the Folies-Bergeres – uma interessante mensagem. Um restaurante atulhado de pessoas, lâmpadas que ressaltam o ambiente de euforia, garrafas de champanhe e vinho, frutas e, entre essa abundante visão de luxo e diversão, uma jovem de pulseira dourada e roupa sofisticada, cuja face exala uma melancolia inexaurível. O vazio está em todo lugar.

A Bíblia ensina que este mundo não é nossa casa, somos peregrinos e forasteiros, viajantes a caminho do nosso verdadeiro lar. Em tempos difíceis ou bons, ansiamos por algo mais. Fomos criados para avançar além dos limites estreitos deste mundo. Deus colocou o desejo da eternidade no coração do homem (Ec. 3:11). Esse anseio funciona como uma seta apontando o caminho para Deus. Não há vida independente de Deus.

“Sabemos que, se for destruída a temporária habitação terrena em que vivemos, temos da parte de Deus um edifício, uma casa eterna no céu, não construída por mãos humanas. Enquanto isso, gememos, desejando ser revestidos da nossa habitação celestial [...] Pois, enquanto estamos nesta casa, gememos e nos angustiamos, porque não queremos ser despidos, mas revestidos da nossa habitação celestial, para que aquilo que é mortal seja absorvido pela vida" (II Cor. 5:1,2,4).

quarta-feira, novembro 12, 2014

O Céu Se Aproximava – A Orquestra Celestial

No dia 10 de novembro de 2014, Deus chamou a minha mãe ao paraíso.
Mãe, dona Irene ou, simplesmente, passarinho – as três palavras que eu utilizava quando me dirigia a ela. Exemplo de filha, irmã, esposa, mãe, avó e bisavó. Exemplo de mulher cristã. Num mundo de valores diluídos, a minha mãe foi uma sólida fortaleza dos valores cristãos. 

Ela pôde usar com dignidade as palavras do apóstolo Paulo: “Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé. Agora me está reservada a coroa da justiça, que o Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos os que amam a sua vinda” (II Tm. 4:7,8).

Confesso que não encontro palavras, elas fogem apressadas reconhecendo a insuficiência das letras perante a dor. Então empresto o trecho que li para ela quando lhe entreguei o exemplar do meu livro “Náufragos da Fé”, onde comento a morte dos meus dois filhos e irmã:
“A principal mensagem de Jó 42, é que no final Deus corrigirá todas as injustiças. Algumas tristezas como a morte dos filhos de Jó, a morte dos meus filhos, da minha irmã, não são recuperadas nesta vida. Palavras de consolo não arrancam a dor que encontra solo fértil no coração. Mas no fim esta dor será absorvida pelo Criador do universo. Terei meus filhos e irmã de volta. E, se eu não acreditasse nisso, que eles estão neste momento, alegremente sorrindo, pulando e explorando novos mundos, adorando e gozando do privilégio de conviver face a face com o Criador deste fantástico universo - e que recepcionaram com alegria minha tia que sofria do mal de Alzenheimer, certamente já fizeram diversos passeios juntos e saborearam a culinária celeste, que não fica a dever a queijadinha e o doce de leite que ela fazia na fazenda – então eu não creria em coisa alguma e teria abandonado a fé cristã. [...]
A esperança cristã afirma que a tragédia da perda dos meus filhos e da minha irmã não é apenas uma fatalidade. Não é simplesmente o problema de um defeito genético, um pedaço de DNA estragado no caso deles, e não foi apenas um erro médico que ceifou a vida dela.
A esperança cristã afirma que estes acontecimentos fazem parte de uma trágica história; mas não pertence à tragédia a última palavra. A esperança cristã afirma que o DNA deteriorado e o erro médico não prevalecerão. Que um dia estaremos caminhando juntos novamente, sentaremos a mesma mesa como convidados especiais do grande e eterno Criador. [...] A esperança cristã diz que raiará o dia em que a efêmera vida de duas crianças e de uma jovem senhora, no planeta terra, brilhará pelos tempos com uma glória que não somos capazes de imaginar em nossos mais desvairados sonhos”.

Conforta-me saber que “Preciosa é aos olhos do Senhor a morte dos seus santos” (Sl. 116:15).

Ela voou. O céu está em festa. Aqui, a sua silhueta está desenhada na cama, na sua cadeira da sala de jantar ou da varanda, em cada milímetro da casa, em seus objetos e pertences.
A minha mãe dizia que a casa onde morava com meu pai era uma grande árvore, e todo dia, ao final da tarde, os pássaros – filhos, netos, bisnetos, nora, genros -, ali se reuniam. Sim. Ali é o nosso barulhento ninho.
O ninho perdeu o pássaro mãe. Mas o ninho coração dos familiares está cheio dos frutos que ela generosamente nos deu, alimentos que nos sustentarão até o dia no qual a abraçaremos novamente na presença de Deus.
Voa passarinho, Voa! Um dia voaremos juntos, eternamente!
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 “E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores, Querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo” (Ef. 4:11-12). Escrevo estas linhas para que familiares e amigos conheçam alguns detalhes da minha mãe, Irene, a amiga de Deus. A intimidade dela com Deus era algo especial. São experiências que devem ser compartilhadas “para edificação do corpo de Cristo”:

     1-     Quando Enaide, minha irmã, faleceu, a minha mãe ficou inconsolável. Chorava dia e noite, clamando para que Deus aliviasse a sua dor. Deus atendeu o seu pedido de uma forma especial: Numa bela noite, no quintal da casa, ela ouviu uma voz que dizia: “Não chores mais. Ela está bem”. E simultaneamente começou a ouvir cânticos que nem mesmo a melhor orquestra terrestre poderia executar. Cânticos celestiais. 

Para estudiosos, como James Hutton, a música ocupa uma posição singular “pois é a única arte praticada no céu e pelas criaturas sem pecado original”. Neste caso, “O ouvido humano não pode ouvir tal música, seja devido ao pecado original ou simplesmente por ser um órgão sujeito ao tempo e à morte. O que Campanella chama de molino vivo do eu abafa todos os sons celestiais. Em certos estados de êxtase, entretanto, alguns ouvidos puderam ouvir tal música”.
Um coral de anjos “dava uma canja” naquela noite em Jaciara. Aquela experiência espiritual estancou a fonte de lágrimas. Daquele dia em diante, apenas ocasionalmente, como é natural, as lembranças ainda provocavam lágrimas.

2-      Ela sonhou que meu filho nasceria com uma síndrome raríssima, do mesmo jeito que ela teve um filho (meu irmão) que morreu ainda bebê. Ela me chamou, quando minha esposa estava grávida, e disse: "Filho, Deus me mostrou que o seu filho nascerá assim..." e narrou o que viu. E assim aconteceu. 

3- Na sexta-feira da semana passada, a minha irmã Eliude dormiu com ela. Na madrugada, ela a chamou dizendo: “Você está ouvindo essa música linda?”. A minha irmã aguçou a audição, mas não conseguia escutar nada. A minha mãe continuou: “Coisa mais linda”. E, levantando o dedo indicador, reiterou: “Ouça”. 

Não tenho dúvidas que, mais uma vez, Deus afastou as cortinas permitindo que ela ouvisse a orquestra angelical. O céu se aproximava.
Dona Irene, mãe, passarinho, se foi no dia 10 de novembro de 2014. Estivemos do seu lado até o último suspiro e, como disse a minha tia Odilza: “Ela morreu como um passarinho”. Em silêncio, com a paz fixada em seu semblante. O anjo do Senhor afastou a cortina, o Céu chegou e ela enfim pode ver e ouvir a orquestra celestial que tanto a encantava. Seus olhos agora contemplam a glória de Deus.