domingo, agosto 31, 2014

No Coração das Coisas

Sabemos que o mundo contém muitas coisas que não podemos enxergar a olho nu - células, átomos, moléculas, quarks. Mas essas coisas podem ser medidas através dos rastros que deixam no caminho.
            O cristão crê na realidade intangível. Ela não pode ser medida com os instrumentos que temos à disposição. Mas pode ser medida através dos rastros que deixa no caminho. A pergunta correta não é: “As ferramentas que possuímos podem demonstrar a realidade de Deus?”. Mas sim: “Existe mais do que nós podemos ver?”.
            A Bíblia sempre ensinou que no coração das coisas não há um mapa orientando a montagem de um quebra-cabeça; mas o mistério. Não levantamos as mãos e confessamos a ignorância, somos cobrados para adicionar o nosso limitado conhecimento à sabedoria coletiva. A aceitação do mistério é um ato não de resignação, mas de humildade.
            As perguntas são insubstanciais. Você não pode ver, tocar ou medir uma pergunta. Isso não acontece apenas com as perguntas; as nossas vidas são construídas sobre o intangível. Neste exato momento você está lendo marcas/traços/símbolos em uma página. Elas não invadem, fisicamente, o seu cérebro. No entanto, na interação entre os borrões de tinta na página e o seu cérebro, o entendimento é transmitido. O entendimento é tangível? O que mudou entre a página e o seu cérebro? Quanto de nossas vidas acontece nos indescritíveis espaços deste mundo? Quanto é transmitido no silêncio entre as notas de uma música?
            Quando eu aprendo algo novo, uma varredura pode detectar alterações fisiológicas no cérebro, mas a mudança não é detectável. Quando eu sinto emoção, você pode mapear as correntes elétricas no meu cérebro, mas o mapeamento pode apresentar o sentimento? Veja a história da tua vida. Onde você nasceu, onde você cresceu, como foi a sua infância, quais as pessoas mais importantes que você conheceu durante a sua vida? Você criará uma imagem de si mesmo para contar a sua história.
            Mas, onde essa história existe? Ela tem uma existência física ou se limita as sinapses dos neurônios em seu cérebro? A sua história existia antes que eu lhe perguntasse?
            Falamos de coisas que existem “entre” as pessoas. Existe um “entre”? Se existir, não habita no universo físico. O mundo é, por assim dizer, cheio de entidades não físicas que confundem o nosso entendimento. Quando nos acostumamos a reconhecer o que não podemos ver, a noção sobre Deus parece menos estranha. Coisas não físicas são reais. As nossas vidas gravitam sobre coisas reais que são não materiais: ideias, emoções, beleza, imaginação, memórias, relacionamentos, intuições, alegrias, tristezas, sofrimento, amor e fé.
            Acreditar apenas no que vemos é submeter-se a uma cegueira voluntária. Seguir esse princípio limitaria a tal ponto a convivência com as demais pessoas que, poderíamos dizer, nos tornaria invisíveis na esfera existencial.
      Se reconhecermos as limitações do nosso conhecimento, o ateísmo é a confissão de uma ilusão indefensável.
            O cristão se rende a evidência: há muito mais do que podemos ver, há uma realidade não física, uma realidade maior. Se nós, criaturas com corpos que se movimentam em um mundo físico, somos tão dependentes de coisas que não podemos ver, por que os ateus consideram que Deus é uma ilusão improvável?
           Na verdade a fé retira as escamas dos olhos espirituais para que possamos vislumbrar as mãos de Deus manejando o dia a dia:O coração do homem planeja o seu caminho, mas o Senhor lhe dirige os passos” (Pv. 16:9).

(Trecho extraído do livro Relíquias de Uma Terra Estranha © de Samuel Rezende - previsão de lançamento primeiro semestre de 2015)