domingo, dezembro 05, 2010

Deus: O Visitante Inesperado

Quando falamos em filmes de Natal, a maioria das pessoas pensa em Charlie Brown, Frank Capra ou algo semelhante. Mas a época não é sobre luzes cintilantes, neve, reuniões de família e presentes. É sobre a tensão da espera, a expectativa de dias melhores, a renovação de todas as coisas, a reconciliação – pois Deus se fez homem abrindo um novo caminho.
Este ano me dediquei a escrever o livro “Um Grito de Ausência” e, conforme o prefácio, “Tento costurar o natural e o sobrenatural, corrigindo um pouco da distorção que a Igreja acabou provocando, entregando à natureza as mãos dos geólogos, biólogos e físicos e a arte as mãos dos críticos. Por que nós, cristãos, ainda insistimos em dividir a cultura em sagrada e profana? Como construir uma ponte entre estes dois mundos?”
Brevemente postarei um trecho do livro. Por enquanto, indico alguns filmes que capturam um pouco do “espírito natalino”. Eles não são filmes cristãos ou filmes de natal. Mas Deus costuma entrar em ambientes inesperados.

Vermelho Como o Céu: É inspirado na vida de Mirco Mencacci, famoso editor de som. Aos oito anos de idade, um acidente com uma espingarda faz com que perca a visão. Ele é mandado para uma instituição especializada. Amizade, imaginação e o dom especial contagiam as outras crianças, e a criatividade quebra as barreiras de um mundo escuro e fechado. Enquanto a escola tenta impedir a concretização dos sonhos, Mirco e seus amigos desenvolvem o talento que Deus lhes deu.

Cortina de fumaça: Paul é um escritor que perdeu a esposa, e desde então não é mais o mesmo. Auggie é o dono da tabacaria, amigo de Paul. Todas as manhãs, a mesma hora, Auggie tira uma foto que enquadra a rua e a sua loja. Um dia, Auggie mostra a Paul o álbum com as inúmeras fotos. Paul folheia aquelas páginas sem deter-se para analisar as imagens, afinal, todas podem ser resumidas em uma. Auggie pede que ele olhe com mais atenção, pois mesmo sendo fotos do mesmo lugar, elas são diferentes: a mudança de iluminação, as estações do ano, às vezes as mesmas pessoas aparecem, às vezes elas desaparecem. Então, em uma das fotos, Paul descobre que sua esposa foi fotografada.
Muitas vezes caminhamos assim. Atenção focada em apenas um plano. E os detalhes que alteram e mudam o quadro são, simplesmente, ignorados. O filme também trabalha com a reconciliação.

O pequeno italiano: Vanya é um garoto de seis anos que mora em um orfanato russo. Após a visita de um casal de italianos que resolve adotá-lo, ele ganha dos demais órfãos o apelido de o pequeno italiano. Ao ver que a mãe de um ex-órfão, que fora adotado, apareceu no orfanato querendo o seu filho de volta, o menino acredita que isso também pode acontecer com ele. Vanya resolve procurar a mãe. Sendo perseguido por uns, ajudado por outros, o persistente Vanya prossegue em sua jornada.
O Pequeno Italiano é a odisséia de um garoto em busca de dias melhores ao lado de sua mãe. Uma encantadora jornada de esperança e persistência, temperada com o estilo Dickens.

O solista: Nathaniel Ayers (Jamie Foxx), um morador de rua, é um músico dotado com um raro talento. Steve Lopez (Robert Downey Jr.) é o colunista de um grande jornal que, andando pela cidade, encontra Ayers vestido em trapos e tocando Beethoven em um violino de duas cordas. Lopez quer saber por que este homem talentoso tornou-se uma pessoa de rua, e fica perturbado com a esquizofrenia do músico.
Ayers era uma criança prodígio, que ganhou o direito de entrar na prestigiada universidade Julliard. Mas ele começou a ouvir vozes e vivenciar crises de medo paralisante e claustrofobia. Sozinho e esquizofrênico ele vive nas ruas. Ele explica que ao ar livre, sente a presença de Deus. Ayers ama Beethoven, e torna real a frase de Shakespeare: “A música acalma o coração selvagem”, até mesmo de uma pessoa mentalmente doente.
O que começa como um simples artigo de jornal evolui para uma amizade. A vida de Lopez também é uma série de fracassos e decepções. Ele é um marido fracassado e pai ausente, um desencantado colunista. No final, quem mais mudou foi Lopez.

Paris, Texas: Paris, Texas é um road movie que começa no deserto desolador e escaldante do Texas, depois vira intenso drama familiar que finda no reencontro com o passado. É um retrato impressionante de um homem que precisa refazer a sua história.
Travis (Harry Dean Stanton) é um homem angustiado, despido da memória e sem um objetivo na vida, perambulando por um cenário interior e exterior, desolador. Ele caminha no deserto de Mojave, trajando um terno surrado e um boné de beisebol vermelho empoeirado, a pele do sol castigada pelo sol do deserto, a barba desgrenhada e os olhos injetados de um peregrino completam a sua figura. Travis é um solitário fugindo do passado. Seu percurso silencioso varre a imensidão do deserto.
Travis tentou fugir do passado caminhando rumo a um território desconhecido. Agora é preciso encarar a dor do abandono, superar a perda da mente atormentada pela dor da culpa, enfrentar o passado.
Do terrível naufrágio que invadiu a sua vida, Travis conseguiu salvar uma fotografia de Jane e seu filho. É a sua Ítaca. A ilha da beleza perdida. É preciso coragem para voltar. É preciso determinação para procurar corrigir o erro. É preciso humildade para declarar a sua parcela de culpa. É preciso que haja esperança para enfrentar a sombra e a luz; a mentira e a verdade; a ira e o amor.
A esplendorosa, melancólica e delicada música de Ry Cooder, o blues tocado só com cordas se encaixa perfeitamente na crueza do deserto.

Feliz Natal e até breve.